quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Você é um homem ou um rato?

Conheça melhor o perfil das cobaias humanas

Uma cena bastante comum no nosso dia-a-dia é ir a uma farmácia e comprar um medicamento para dor de cabeça, por exemplo. O que não nos damos conta é que antes de chegar às prateleiras dos estabelecimentos comerciais esses fármacos passaram por uma série de testes, inicialmente em animais e depois em humanos, que diariamente servem de cobaias em experimentos científicos.

Esse é apenas um exemplo do uso de humanos como cobaias, ou “voluntários”, como preferem os pesquisadores, por considerarem o termo cobaia um tanto quanto perjorativo.

Existe uma série de motivos que podem levar uma pessoa a se voluntariar para a participação em uma experiêcia. Entre os mais comuns estão: dinheiro, saúde e até mesmo o altruísmo. No Brasil o dinheiro como motivação não é legal. Em nosso país é proibido o pagamento de cobaias para que estes participem de pesquisas. Por aqui o órgão responsável pela aprovação de pesquisas com o uso de voluntários é a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

No entanto em alguns países, como nos EUA, o uso de pessoas em pesquisa é algo bastante comum, sendo que estes voluntários recebem para participar dos estudos, fazendo de cobaia humana sua “profissão”. “‘Por um vidrinho de sangue, pagamos US$30’, conta o hematologista goiano Rodrigo Calado, pesquisador no estado americano de Maryland do Instituto Nacional de Saúde, agência do governo dos EUA”.¹ Em época de crise da economia mundial o preço pago para se ser voluntário em estudos científicos são bastante interessantes, o que acaba atraindo as pessoas, principalmente aquelas que possuem menor poder aquisitivo.

É claro que a facilidade de se participar de um estudo como sujeito de pesquisa não elimina os riscos de ser cobaia. No entanto, hoje em dia as condições dos voluntários está um pouco melhor, no que diz respeito aos procedimentos a que são submetidos e até mesmo na assistência que recebem durante e após os estudos.

Pelo menos em alguns lugares são assim, normalmente isso só acontece em países desenvolvidos. Mas, nem sempre foi assim. É de conhecimento geral o sofrimento a que foram submetidos os comunistas, social-democratas, ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais e judeus, os quais aprisionados em campos de concentração nazistas foram submetidos a alguns dos mais cruéis experimentos com humanos que se tem notícia. Tais experimentos, feitos em nome do avanço da ciência, avaliavam a resistência do ser humano ao congelamento, ao afogamento, à altitude e a venenos, que normalmente levavam a cobaia (que nesses casos, nem de longe eram voluntárias) à morte. Após o fim do nazismo, com a derrota da Alemanha na II Guerra Mundial, e com a revelação dos arquivos nazistas, criou-se em 1947, o código de Nuremberg. Esse código foi o primeiro passo para tornar a experimentação com humanos mais justa.

Um outro caso famoso de um infeliz estudo com humanos é o caso Tuskegee. Um estudo realizadocom 600 homens negros, sendo 399 com sífilis e 201 sem a doença, feito na cidade de Macon, Alabama, EUA.

O objetivo dos pesquisadores era estudar a evolução da doença, quando não se aplicava nenhum tipo de tratamento. Vale ressaltar que em 1929, um estudo norueguês, relatava a partir de dados históricos mais de 2000 casos de sífilis sem tratamento. A pesquisa que se estendeu por 40 anos (1932-1972) teve logicamente um aspecto positivo para a ciência, pois muito do que se conhece a respeito da sífilis, vem dos conhecimentos adquiridos desse estudo. Fato que não justifica o uso de vidas humanas em estudos inescrupulosos como esse. Curioso é o fato de que desde 1943 conhecia-se o poder da penicilina no tratamento da sífilis, e mesmo assim nenhum tratamento foi administrado para os quase 400 homens doentes dessa pesquisa. Mais curioso ainda, é a contradição existente entre os norte-americanos, que em nome do avanço científico deixam negros morrerem de sífilis, omitindo-se de qualquer forma de tratamento, e os norte-americanos, que em 1947 condenaram veementemente os procedimentos nazistas, criando o código de Nuremberg.

Após citar dois casos extremos do uso de sujeitos de pesquisa, voltemos a falar da situação das cobaias humanas atualmente. Hoje em dia é possível por meio da própria Internet tornar-se voluntário de um experimento. Dentre os “classificados da ciência”¹ esta o Biotrax.com. Ao acessar o site, coloquei os meus dados como sendo um morador de Washington, EUA, e como sendo saudável, informações que foram suficentes para derecionar-me a uma página que apresentava 12 estudos nos quais eu poderia me inscrever como voluntário. Mas não para por aí, um outro site Drugspay.com, inspirado na onda de fazer da condição de sujeito de pesquisa uma profissão, ensina como conseguir até US$ 34 mil por ano (um bom incremento na renda familiar, não?) apenas participando de pesquisas. O próprio autor do site afirma já ter tomado mais de 750 remédios em fase de experimento, além de já ter tirado mais de 1500 amostras sanguíneas para estudos.

“E se participando de uma pesquisa, o voluntário sofrer algum dano, como por exemplo uma sequela consequente de um efeito adverso da droga administrada?” Para esses casos a legislação de garante o pagamento de idenizações às cobaias que forem prejudicadas. Seria ideal que isso acontecesse em todos os países, mas quase sempre fica restrito aos países de primeiro mundo. Aproveitando-se dessa brecha na legislação de alguns lugares, laboratórios e centros de pesquisa tem transferido seus estudos para regiões com a população mais vulnerável.

Por população vulnerável podemos entender: crianças, idosos, doentes, prisioneiros, indígenas, e ainda a população residente em países pobres, como a Índia e alguns dos países africanos. Nesses locais, encontramos pessoas sem condições financeiras e que por esse motivo estão dispostas a abrir mão de sua integridade física, muitas vezes já debilitada, em troca de dinheiro, e por isso facilmente se voluntariam como cobaias em pesquisas.

Apesar dos casos noticiados de efeitos adversos surgidos a partir de experimentação com humanos, sabemos que essa é uma atividade que ainda é bastante necessária, visto que sem a experimentação, não é possível garantir que um medicamento, por exemplo, não causará danos, ao invés de curar. O que se critica é a falta de fiscalização, fato que motiva as empresas farmacêuticas a agirem de forma nada ética, explorando vidas humanas, como se fossem ratos de laboratórios. Vale lembrar que na maioria dos casos, a vida das cobaias, desde que sejam seguidos todos os protocolos de segurança que os estudos exigem, não é posta em risco.

Referências Bibliográficas:

1) Menai, T. (Maio de 2010). Vida de Cobaia. Super Interssante, p.56.

2) Petry, A. (2010, 21 de Julho). O Labirinto é a Saída. Veja, p. 102.

3) Golsim, J.R. (1999). O caso Tuskegge: quando a ciência se torna eticamente inadequada. Acessado em: 22 de dezembro de 2010, em: http://www.ufrgs.br/bioetica/tueke2.htm.

Links para as imagens:

1)http://4.bp.blogspot.com/_KoXRkO3cp7E/TCDoqXOI4nI/AAAAAAAAAtI/x7jAqW759IA/s1600/homem-rato.jpg

2) http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br/images/tuskegee.jpg

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