quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O que tem se discutido no Brasil?


E do que nos adianta pensar que o mundo está preocupado com assuntos na área de pesquisa humana se não conhecemos como nosso próprio país toma parte dessa história? Serão apresentados alguns documentos pelos quais o Brasil solidificou seu ponto de vista diante deste assunto que, cada vez mais, tem gerado discussões entre médicos, farmacêuticos, grupos industriais, entre outros grupos interessados em pesquisas com seres humanos.

Primeiro, faz-se necessário recordar de algumas declarações internacionais que guiam as pesquisas com seres humanos. A primeira, e talvez mais importante declaração que devemos lembrar, é o Código de Nuremberg (1947) que é considerado a primeira normatização sobre ética em pesquisa com pessoas. O conteúdo ético deste código foi revisado e, consequentemente, ampliado, “nascendo”, então, a Declaração de Helsinque que, também, tem importância na regulamentação desses tipos de pesquisa. Na sua revisão de 1975, faz referência a criação de comitês éticos para analisar pesquisas com humanos.

Estamos aqui citando ética, comitês éticos, mas não foi apresentado seu conceito. É uma palavra originaria do grego, significa “condutas consagradas pelos costumes”. Para a filosofia, a ética estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana. Indica as normas nas quais se devem ajustas as relações entre os indivíduos de uma sociedade, assim, deve ativar um uma reflexão crítica sobre os valores da sociedade. “A ética é um dos mecanismos de regulação das relações sociais dos indivíduos e tem como objetivo garantir a coesão social e harmonizar os interesses individuais e coletivos” (MARSICANO, 2008). Estabelecido o significado de “ética”, podemos prosseguir com a discussão acerca da posição brasileira no assunto de pesquisa envolvendo seres humanos.

No Brasil, a criação de comitês de ética parece ter começado em 1985, quando o Conselho Federal de Medicina publicou a resolução 1215/85. Esta determinava que os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) criassem Comitês de Ética Medica (CEM) em lugares em que a medicina era exercida. Um ano após a publicação dessa resolução, o comitê de São Paulo cria a Resolução 023/86, a qual padroniza a criação, procedimentos e competências dessas comissões. De acordo com esse documento, as comissões deveriam opinar sobre todas as pesquisas médicas que envolvessem seres humanos.

Em 1988, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), órgão ligado ao Ministério da Saúde, publicou a Resolução 01/88 com diretrizes para pesquisas na área de saúde no país. Foi baseada nos principais documentos internacionais já publicados. A 01/88 delimitava que toda instituição que realizasse pesquisa com humanos deveria ter um Comitê de Ética. O Comitê deveria, então, autorizar a realização da pesquisa e orientar os pesquisadores sobre aspectos éticos e de segurança biológica. "A pesquisa somente poderá ser iniciada após parecer favorável, por escrito, do Comitê de Ética e do Comitê de Segurança Biológica, conforme o caso, tendo informado ao responsável pela instituição de atenção à saúde" (Resolução n. 01/88. 13 jun 1988).

Quase 10 anos após a concepção da 01/88, pessoas interessadas sobre o assunto “pesquisas envolvendo a humanidade” se uniram para revisar esta, no intuito de aprimorá-la e melhor defini-la, pois o desenvolvimento científico em crescimento da época havia deixado lacunas na mesma. É divulgada, então, em 1996, a resolução 196 que orienta todas as pesquisas que tenham como “cobaia” o homem, não somente, como eram anteriormente, as pesquisas biomédicas.

Representou um avanço em pelos dois pontos: contribuiu para a divulgação da bioética no país e favoreceu o desenvolvimento de uma ideologia que protegesse os sujeitos de pesquisa, já que um dos aspectos principais se refere à elaboração de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) acessível aos participantes.

Esta Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, entre outros, e visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.” (Resolução 196/96).

Esses quatro princípios direcionam as ações de avaliação dos protocolos da pesquisa vigente. Mas o que seriam estes protocolos? “Documento contemplando a descrição da pesquisa em seus aspectos fundamentais, informações relativas ao sujeito da pesquisa, à qualificação dos pesquisadores e à todas as instâncias responsáveis.”(Resolução196/96). Todos os protocolos devem passar obrigatoriamente por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) que avaliará a relevância, os aspectos éticos da pesquisa. Os projetos deverão também atender aos princípios básicos da bioética: autonomia, beneficência, não-maleficência, justiça e equidade.

Autonomia
seria o consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo como a proteção a grupos vulneráveis aos legalmente incapazes. Sendo assim, toda pessoa envolvida na pesquisa deve ser respeitada em sua autonomia e os grupos vulneráveis defendidos em sua vulnerabilidade. Beneficência é o balanceamento entre riscos e benefícios em que os primeiros devem ser mínimos e os segundos máximos. Não-maleficência: garantia de que os danos previstos na pesquisa serão evitados pelo pesquisador. Justiça e equidade implicam em um tratamento justo, equitativo e apropriado, levando se em consideração aquilo que é devido às pessoas. Quer dizer que “toda pesquisa deve ter relevância social com vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os vulneráveis, garantindo igual consideração dos interesses envolvidos.” (Resolução 196/96)

Na elaboração do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o pesquisador deve fornecer informação ao sujeito de pesquisa para assegurar o seu direito de escolha. Livre, pois não pode haver nenhum meio influenciador da vontade e da decisão do sujeito da pesquisa, e esclarecido quando se considera que o compromisso com o sujeito da pesquisa não é apenas o de informar, mas o de esclarecer.

Outro ponto que merece destaque nesta resolução é de que seu conteúdo deve ser revisado periodicamente para que não fique estagnado no tempo com princípios ultrapassados e inválidos para a época que se segue.

Outros documentos após a 196/96 foram publicados a exemplo das: resolução CNS 251/97 (contempla normas para a área de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos); resolução CNS 292/99 (estabelece normas para protocolos com cooperação estrangeira); resolução CNS 303/00 (contempla normas para a área de reprodução humana); resolução CNS 304/00 (contempla normas para a área de pesquisas em povos indígenas); resolução CNS 340/04 (aprova diretrizes para pesquisas na área de genética humana); resolução CNS 347/05 (aprova diretrizes para pesquisas que envolvem armazenamento de materiais). (CABRAL, 2006)

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